Copos D'água

Copos D'água

29 de dezembro de 2010

Fusão.

De volta à luz da lua, alumiar os pensamentos..

Minhas vontades são meus deuses. Deixei por tantas que o arrepio guiasse meus cânticos incompreensíveis, nas línguas que eu mesma inventava, enquanto perdida em outros corpos. Tive visões dos mais altos lugares e as palpitações mais intensas, durante danças de passos instintivos.. Hoje tudo que eu queria era me cobrir de terra, e só de terra, enquanto a percussão de tambores nos guiasse nos ritmos constantes de excitação que as batidas trazem. Fechar os olhos e que o vento nos leve.. que as raízes nos envolvam, e que sua chuva me purifique.

27 de dezembro de 2010

Espectro.

Era a primeira vez que ela entrava naquele apartamento grande e vazio onde ele morava. Transpôs a porta da sala com uma objeção que se recusou a expressar, enquanto o assoalho de madeira rangia, reclamando das dores de quem ali pisava.. A angústia e a culpa davam ao desejo dimensões ainda maiores, e a paixão cegava qualquer faísca de razão que poderia surgir dentro daquele cômodo.
Era como se os pés de Ana e sua cabeça estivessem numa luta, numa queda de braço... E cada centímetro que ela adentrava no corredor, que parecia infinito, era uma vitória de seu corpo sobre sua racionalidade.
Suas mãos estavam frias e dormentes, mas as mãos quentes dele sobre as dela, amenizavam um pouco o receio que lhe causava falta de ar..
Ela pisou dentro do quarto. Não era nada fora do comum, mas lhe trazia uma sensação aniquilante de acolhimento.. o computador, a cômoda e o violão jogado na cama lhe eram de alguma forma familiares, e ela não podia deixar de odiar isso.
Ele entrelaçou os dedos nos cabelos dela e procurou atrás de seus olhos alguma resposta pra aquilo tudo.. também não compreendia o que ela lhe causava e porque a desejava tanto, mesmo quando não devia..
Não deviam! Isso era mais do que claro, e não fazia sentido algum insistir num erro como aquele, que soava imperdoável. E imperdoável por quê? - ela pensava.
A respiração de ambos era sincrônica, enquanto as mãos arrepiavam caminhos rasgados nos corpos. A liberdade parecia mais sedutora do que o sexo em si, mas era um passo sem volta. Ele a invadiu e deixou nas entranhas a marca dos lábios e o som de algumas notas..
As noites não seriam mais as mesmas... e ela mal sabia.

3 de novembro de 2010

Lado B.

Escancarou a porta num um rangido estridente, entrou em casa deixando pegadas molhadas no assoalho e arremessou a bolsa de qualquer jeito no sofá. As maquiagens baratas, algumas tantas moedas trocadas e o maço de cigarro foram todos parar no chão da sala. Ninguém se importaria com isso agora, eram onze e meia da noite daquele domingo rastejante e tudo que Ana queria era se lavar, esticar suas pernas fadigadas na cama e desmaiar, sem raciocinar sobre como havia sido o seu dia ou como havia de ser o seguinte.
Ele veio da cozinha e entrou no banheiro mal iluminado, de onde achou que havia escutado um barulho. Ela o olhou de relance pelo espelho embaçado e continuou guardando suas lentes de contato, jogou tanta água no rosto que parecia querer se afogar ali mesmo na pia e afundou a cara na toalha, enquanto ele resmungava algo sobre dor de cabeça, batata frita e Robert Johnson. Ela não pediu licença e passou por ele pela porta, sem encarar os olhos azuis que procuravam em desespero o encontro com os dela, desde que havia chego. Ela sabia que se entregava por ele num olhar ou num sorriso qualquer, como uma adolescente idiota que ainda não sabe que é nessa rendição ingênua que mora o diabo, então procurou se refugiar na apatia que a impedia de querer qualquer contato.
Sentou-se na cama e arrancou fora os sapatos e as roupas, como se estivessem lhe causando repulsa, e  vestiu uma camiseta velha dele, a primeira que alcançou na gaveta, como sempre fazia. Dessa vez, era uma cinza desbotada, com um furo na manga esquerda, dos Rolling Stones e de tecido roto, que só tinha na frente um logo vermelho já quase apagado.

"When the train, it left the station 
with two lights on behind
When the train, it left the station
with two lights on behind

Well, the blue light was my blues
and the red light was my mind,
All my love's in vain..." - tocando na vitrola poeirenta da sala.

Ele questionava sobre o dia dela, enquanto discorria sobre seu café amargo e pão francês quando ainda era quase escuro, a caminhada solitária pelo parque com chuvisco, um cachorro manco, angústia estranha no peito e... silêncio. Ana nada dizia.. O timbre maldito daquela voz sempre lhe foi doce demais, o que nessa hora era insuportável. Virou de lado, fechou os olhos e viu um flash de pernas entrelaçadas e pingos de suor...

Ela haveria de tomar um banho, e ele, umas várias doses de whisky.

25 de outubro de 2010

Uma pílula pro meu copo d'água, por favor.

Dra.,
Deixei de escrever há tempos, eu sei... as horas me foram tomadas pelas coisas mundanas, e meus rodopios internos acabaram ficaram de lado. Não consigo compreender o que aconteceu nesse meio tempo em que permaneci em silêncio, tantos altos e baixos devem ter culminado num trauma que afetou ambos os pólos, e agora nenhum dos dois mais se manifesta.
Senti nesse momento uma urgência de lhe desenhar algumas letras, pois me vi mais doente do que nunca e percebi que não consigo me salvar sozinha. Na realidade, acho que o início se deu como uma doença auto-infligida, mas o fato é que agora eu perdi completamente o controle sobre ela.
Estou aqui, da forma mais fria possível, pra relatar o que se passa..

Eu simplesmente não sinto mais.

E é um sentimento estranho, esse do não-sentir.. Às vezes é mais cômodo sentir as coisas com menos intensidade, mas o não-sentir assim, por completo, ninguém quer.. Então quando você se dá conta de que está imerso até a cabeça nessa apatia, você chega quase perto de um esboço de tristeza.. Mas é uma tristeza tão débil e volúvel, que acaba se assemelhando às horas de felicidade, que são tão volúveis e superficiais quanto.. E no fim das contas, tudo se torna parecido dentro de você, e nada é sentimento, de fato. São só rascunhos, faíscas, que duram ínfimos momentos, e que passam sem impacto nenhum, pra logo retornar à neutralidade.
Não sei se estou conseguindo me fazer entender, eu já não possuo a mesma expressividade de antes, e acho que perdi o jeito de lidar com as palavras.. Eu já não as entendo mais, e nem o contrário. Minha cabeça é um estado permanente de quietude, e minha alma perdeu a intensidade, como um silêncio sepulcral, parece que a apatia causou a morte dos meus sentidos, e que meu corpo age maquinalmente por si só.
Eu não sei se isso tem cura, mas se você puder me receitar alguma pílula que desperte qualquer coisa aqui dentro, eu agradeceria.

Sinceramente,
Ana

18 de julho de 2010

Fobia.

Eu tenho medo de palhaços. É sério, começou quando eu tinha uns quatro anos de idade, eu tinha esse sonho recorrente em que um palhaço me jogava num túnel sem fim, e enquanto eu caía, eu via os rostos das pessoas que eu conhecia, por janelinhas pequenas nas paredes.. Todo mundo acenava me dando tchau, como se fossem complacentes com o fato de que eu estava em queda livre, e que eles nada podiam fazer.. parecia que aceitavam isso como um fato imutável, e que não tinham outra opção além de demonstrar que me viam caindo, dando tchauzinhos com sorrisos amarelos nos rostos e uma expressão vazia de quem espera que fique tudo bem.
Eu nunca cheguei no fim do túnel. Sempre acordava antes disso, dando um chute no ar e me percebendo com o coração acelerado e respiração ofegante. Acho que sonhei a mesma coisa dias seguidos, durante anos.. O palhaço era sempre o mesmo e as pessoas nas paredes do túnel sempre estavam lá. A única coisa que mudou durante o tempo, era que a minha raiva do palhaço foi sumindo a cada noite.. eu passei a aceitar que eu estava destinada a cair livremente naquele túnel, e que o palhaço nada fazia além de me entregar ao meu destino. Meu sentimento em relação às pessoas que eu via de lá de dentro mudou também.. o que no começo doía como um desespero para que me salvassem ou me ajudassem de alguma forma a interromper minha queda, foi se transformando numa decepção latente por nunca ver aquelas mãos estendidas.. Sempre distantes, sempre receosas. A decepção se transformou em pena, e logo a comicidade que eu deveria ver no palhaço, eu via em todas aquelas pessoas.. em seus acenos apáticos, medrosos e calculados, que refletiam a insegurança que eles próprios tinham em cair naquele túnel.
Acabei aceitando a queda, mas os palhaços ainda me incomodam.

16 de julho de 2010

Chove.

Eu juro que rio. É com lágrimas nos olhos, mas eu rio. Apesar de saber que tuas músicas não são pra mim, que tuas mãos seguram as minhas ao acaso, que teu olhar é dúbio e incerto, não falha em causar em mim essa ambiguidade que me faz querer ora te engolir e não te tirar de dentro de mim, ora te mandar pra ela, e que seja feliz.
Rio do meu desprendimento forçado e de desafio à tua preocupação com o meu choro não contido. Me dá ímpeto de gritar a plenos pulmões: "Não se preocupe comigo! Não me queira, em momento algum! Não goste de mim, que não goste..!" e fica preso na garganta o nó que só consegue sussurrar: "Ame.." Ame a mim, ame a ela, não importa, só ame. E assim me dê um motivo pra sentir que tua vida é completa, ou completa sem me ter.. me dê um motivo pra ir embora, ou um motivo pra me agarrar a isso com a alma, e com o sangue, e com todo o líquido que escorre de mim agora. Dos pulsos, dos olhos.
Rio pra arrancar de ti um tapa na cara, um beijo de sugar o ar dos meus pulmões.
Rio..
de lágrima.

13 de julho de 2010

Depois do mar.

Não sei o porque dessa angústia que me consome. Só quando a necessidade de me perder em meio à fumaça se faz latente é que eu paro e percebo algo de errado..
Saí da água do mar impregnada por essa areia que não quer se desprender de mim, parece que se aprofundou às minhas entranhas só pela satisfação do atrito que me causa e da dor que eu não consigo me ver livre.. foi depois de te ter no mar, foi depois de me afogar em ti que me vi imersa e perdida nessa maresia.
Corro que nem louca atrás de seus passos na areia e cada vez mais longe, pra saber de onde você veio, pra onde vai.. minhas pegadas se preocupam em formar linhas paralelas com as tuas, que vão se apagando com o tempo. Tento possuir tua história como se fosse a minha, mas estou tonta por não saber mais pra onde ir...
Não sei mais o que faz sentido por aqui, mas a luz do teu farol é a única que me guia...
e pisca.

3 de julho de 2010

Dos corpos-imã ao primeiro engano.

Meu caro,
Estou escrevendo essa carta sem o intuito de mandá-la. No momento, o orgulho que me prende de falar contigo é maior do que a real vontade que me aflige, então decidi que vou colocar minha alma nesse papel branco endereçado a ti, e que se algum dia eu resolver que você deve mesmo saber de tudo, só vou precisar entregar todas essas palavras que agora eu desenho.
Pra começar, eu não sei como te chamar, ou como me dirigir a você.. "meu caro" parece suprir a certa formalidade que ainda existe entre a gente, e também a intimidade que nos é devida, depois dos momentos de completa vulnerabilidade que passamos juntos, levando em consideração os espamos dos nossos corpos-imã e algumas palavras proferidas sinceramente e com completa intensidade. Também não sei onde você se encontra agora.. se bebe sozinho o líquido que te faz esquecer da vida, ou se brinda com terceiros a não existência de uma paixão que te prenda a si mesmo. Apesar dessa minha falta de consciência sobre que papel você representa agora, a minha única vontade era a de saber se a noite você pensa em mim, ou não.. Se como eu, coloca a cabeça no travesseiro e repassa cada minuto de mãos-dadas e olhos nos olhos, respirações ofegantes e vai-e-vens ininterruptos, em que o mundo de fora parecia não existir e o vento criava uma atmosfera só nossa... A impressão de que o Universo conspirava a nosso favor me é nítida desde a primeira vez em que meus lábios puderam tocar os teus, e quando eu senti um arrepio incontrolável na espinha durante aquele momento inesperado, que parecia na verdade ter sido proibido por décadas de acontecer... e que no momento quando finalmente se fez concretizado, explodiu do jeito mais devastador possível. Eu sentia o desespero na tua falta de fôlego e nas minhas mãos que não se contentavam em ficar paradas em ti por mais de alguns segundos.. Pensando bem, acho que foi mesmo ali onde o pecado se iniciou, e onde as raízes que devastariam meu chão começaram a se debater. Durante aquela hora em que te descobri, me perdi em mim, mas ainda não o sabia..

(Me retiro agora pra um cigarro e um ar.. se a Lua puder ser ajuda para alumiar meus pensamentos, tento acabar logo essa carta quando estiver de volta)

10 de junho de 2010

Despedida em meias palavras

Já não enxergava as imagens da televisão há uns bons minutos.. para Ana, as legendas pareciam enormes borrões amarelos atravessando sua visão, e não formavam sentido algum. Sua cabeça estava distante dali, e focava no término de uma história onde ela era a protagonista. Virou para o lado, desprezando o enredo da tela à sua frente:
_Então.. como pretende fazer dessa vez? Pegar o carro e ir embora no domingo, mesmo...? (Eu queria arrancar isso de dentro de mim, orar tanto para que não fosse, e que nunca mais cruzasse aquela porta e me largasse aqui..)
_É, meus planos são de ir no domingo, logo depois do almoço.. (Mas meu peito teria outros planos pra mim, e pra ti, menina, se ele pudesse escolher. Me angustia tanto pensar em encher as malas, e deixar o vazio nos armários, dentro de ti..) O ruim mesmo é a preguiça de arrumar tudo logo depois de comer.
_Domingo à tarde, depois do almoço, dá mesmo aquela vontadezinha de deitar no sofá e não fazer mais nada, né.. (E como eu queria me deitar ao teu lado, segurar tua mão quente, e permanecer assim até a Lua aparecer no alto, brilhando pra nós, e tornando o tempo contigo, infinito..)
_Dá sim.. mas não encontro qualquer outro jeito.. Eu queria poder ficar mais um dia ou outro, ao invés de voltar e trabalhar na segunda, aproveitar também a calmaria do céu por aqui.. (E passar mais uma noite do teu lado, e acordar com a sensação do teu respirar no meu pescoço, sentir minha alma se arrepiar e formar com a tua uma coisa só, e te olhar dormindo.. e olhar, e olhar..)
_Que pena você ter que ir, sendo que quer ficar.. (Mundo tão penoso esse.. e essa despedida que sempre vem contra a minha vontade, e a minha falta de jeito pra te pedir pra não se esvair do meu lado, quando nem focar nas tuas pupilas eu consigo.. desvio o olhar pra aquela moeda no chão ao lado da porta, tomada de angústia, de dor. Enquanto você deve estar achando que eu não estou nem aí pra o que fala.. se ao menos você soubesse...)
_É.. uma pena, mesmo. (E só Deus sabe o quanto eu queria ficar aqui e te segurar forte perto de mim de novo e sentir teu beijo, e tua respiração ofegante, e o cheiro doce do teu cabelo.. mas não consigo nem pegar na tua mão e gritar o quanto te gosto! Não pense que eu não queria ficar aqui contigo.. não pense, por favor.)

(E a cor se esvai do meu mundo, e teus dedos se desfalecem nos meus, e eu sinto a angústia que os ponteiros me trazem e o silêncio mais aniquilante, depois do estampido tão dolorido da porta..)

12 de maio de 2010

Aos desavisados.

Não pude deixar de pensar nela.. aquela famosa imagem dos Beatles em que eles pulam em meio à um vasto gramado, me saltou aos olhos. Era sua preferida, por lhe remeter à leveza e a felicidade que todos os dias buscava. Pode parecer piegas, mas a forma como ela descrevia a felicidade me soava tão rara e verdadeira, que de fato cheguei a acreditar que ela tinha decifrado qual era sua fórmula, e eu me deixava encantar por isso (mal sabia que eu depois viria a descobrir que essa felicidade da qual ela tanto falava, não passavam de paráfrases e aspas de alguns outros que provavelmente também não sabiam..). A imagem me trouxe-a à mente, e dessa vez, pela primeira, eu me deixei vagar pensando nela, e em tudo que havia acontecido desde então.. Suas feições agora me eram vazias, como se tivessem perdido a cor e a intensidade. Era um quadro velho, gasto, pelos quais se passa e não se percebe.. Ela tinha perdido o cheiro, o gosto, o tato, e qualquer reminiscência de sentimento que podia existir em mim. Não me tocavam mais suas angústias, seu sorriso era amarelo e forçado, daqueles que escondem uma vergonha da qual não se quer lembrar. Eu recordei daquele falso amor pelo qual eu me deixei levar, e que hoje me parece ter sido tão enlatado e conveniente.. Era conveniente, na época... hoje, não mais, então se descartou como lixo, coisa gasta, inútil.. Seu riso parecia ecoar na minha cabeça, estridente, uma vitrola desafinada. Suspirei.. Me deu pena. Pena daqueles que não sabem amar, e que se perdem tragando como loucos o cigarro de uma paixão inexistente que parece amor, e que parece real, e que parece pra sempre. Pena dessa falta de amor próprio que existe nela, em você, no velhinho sentado na esquina do lava-rápido. Mas não culpei esses tantos desavisados.. só olhei pro espelho e pedi: "Que consigam se levantar da queda.." - Porque eu não estarei mais aqui.

6 de abril de 2010

O fim mal anunciado.

Era um daqueles momentos em que a gente se pega olhando pro pêndulo do relógio... Cada ida consegue parecer infinita, e cada volta que se arrasta, intensiva essa sensação..
Não sei se a culpa era do relógio em si, com seu movimento intermitente, ou se era eu, que a cada impulso me perdia em mim mesma, e fazia com que os segundos fossem eternos.. Mas nessas indas-e-vindas, me peguei a pensar sobre o tempo, e sobre a morte. A morte do sentimento, das memórias, e de tudo que de alguma forma se relaciona com os grãos que já caíram, numa ampulheta. A morte da essência, não-física, e não-visível, daquelas que a única coisa que se consegue fazer é sentir.
Tirei então, mil anos da minha vida pra pensar na morte, e consegui iluminar um ponto (o que de fato não poderia ter sido feito, já que a morte nasceu pra ser completa escuridão).
Aquele ponto era concentrado numa pena dançante, que flutuava no vácuo da essência, sem música, nem qualquer outro som. Aquela pena me desafiava, como se eu precisasse rasgá-la em ínfimas partes, para que eu pudesse finalmente a desvendar, e desvendar a verdade da vida.. mas ao mesmo tempo ela me confortava, como que dizendo que a verdade era tão simples como o seu balançar.. sem vento, sem as intempéries do destino. Ela me dizia com o mais barulhento silêncio, que era só daquela quietude aniquilante de que eu era feita, e que minha gana de destruição interna e externa eram, na verdade, a mais pura paz. Me mostrou que os mais verdadeiros e intensos sentimentos partem de um lugar puro, pleno, e transparente.. longe do ego ou do pensamento. E que a morte de fato não existe.. já que o feixe de luz pode sempre iluminar o caminho por onde veio.
Ambígua assim, e simples assim.

24 de março de 2010

Vomitando verdades.

Não sei por onde começar o fim..
Tuas roupas jogadas no canto do quarto me lembram todas manhãs do quanto preciso dar um jeito nisso, dar um jeito em mim. Esse monte de cartas, fotos, sonhos e lembranças precisam de algum jeito ir embora com o sol de amanhã.. (e que o amanhã chegue logo, por favor).
Não vejo verdade em me livrar dessas provas concretas de imediato, enquanto tudo ainda não está de fato dormente. A dor de jogar tudo fora, de colocar cada coisa no seu lugar me parece quase que insuportável agora.. e se tem algo que eu não preciso, é remexer nesse corte ainda aberto, sem previsão de quando cicatriza.
Pensei em deixar tudo ali, e fazer com que o quarto transforme a bagunça numa paisagem corriqueira e abstrata, pra, quem sabe, não doer tanto na hora de me livrar dela.. Mas aí visualizo o vazio.. que nada vai ser capaz de preencher ou amenizar. Um vazio pesado e frio, que vai sugar minha alma praquele canto, e vai aprisioná-la até que eu, por fim, te mate por completo dentro de mim. Parece duro, dolorido e não consigo mesmo acostumar com a idéia de que tem que ser assim, mas vai ser. Fiz uma promessa a mim mesma, dessa vez, e pretendo engolir seco e ir até o fim... acostumar com o nó na garganta do que parece ser impossível esquecer e conseguir te olhar nos olhos com a resignação e a verdade digna de quem fez o melhor que pôde.
O que mais dói, apesar disso tudo, é saber o quanto você precisa se convencer, todos os dias, de que no fim das contas eu sou só um erro, um nada, e simplesmente alguém que não merece compartilhar tua vida contigo.. Saber que você tenta com todo o teu orgulho e força me afastar por completo de ti, da tua mente e coração, acaba por me aniquilar por completo dentro de mim também. É esse teu agir com falsa superioridade, é saber que você pensa em mim quando não quer, e que dorme se convencendo de que essa é a escolha certa, que me faz saber que isso tudo é na realidade só o caminho mais conveniente, e não o que carrega a verdade em si. Você vai conseguir me matar dentro de ti. Vai apagar cada rastro e vestígio de qualquer coisa boa que um dia tivemos, e o que vai sobrar vai ser a dor, as memórias ruins e o sentimento de que isso tudo foi um dos maiores enganos da tua vida. Vai esquecer que dei meu mundo pra ti, minha alma, meu coração, meu futuro.. e que se algum dia erramos, foi por tanto tentar acertar.
Não vou me enganar e dizer que você já não existe por aqui. Carrego-te ainda por inteiro e sei que é assim que está fadado a ser por um tempo, até que o relógio se encarregue de amenizar as coisas.. e eu sei que vai. Por ora, só peço ao vento que passe e que faça o dia um pouco mais suportável.

22 de março de 2010

Auto-análise.

Penso se eu deveria ter feito algo de diferente.. ter calado, quando era necessário se dizer a verdade.. ou ter gritado, quando meu silêncio parecia ser não compreendido.. Será que era tão angustiante a falta de mil provas concretas de amor, quando o que me parecia mais sensato era presentear com a liberdade e todo o carinho que eu guardava em mim? Se de fato errei em algum momento, carrego quase toda a certeza de que foi amar demais..
Perdi a razão, a cabeça, a visão, o caminho, a paz.

12 de fevereiro de 2010

do subsolo à superfície.

Sem filosofias rebuscadas ou meias voltas em paradoxos indissolúveis.. hoje decidi pecar pela simplicidade.
Não que eu esteja cansada das mil e uma reflexões ou tenha desistido de procurar respostas nas entrelinhas, mas é que percebi que algumas vezes o necessário pode residir nas superfícies.
Vez ou outra, durante esses dias, me peguei pensando no quanto seria bom parar o tempo por alguns instantes, sentar numa cadeira de balanço (daquelas bem velhas mesmo, que gemem ao pendular), só pra ficar olhando pro nada e admirando miudezas e detalhes.. aquelas coisas que a gente não repara durante o dia. Cada feição e expressão humana, cheias de sentimentos e assimetrias.. Assimetrias que existem pra fazer tudo ficar mais interessante, já que transformam cada centímetro em único, indecifrável. Absorver cada cheiro que traz um sopro de vento, a temperatura do ar, a irrequieta melodia das folhas das árvores, com seu farfalhar dançante... ou só pra respirar a quietude da alma que, ancorada em si mesma, percebe a grandeza falante do silêncio..