Copos D'água

Copos D'água

18 de julho de 2010

Fobia.

Eu tenho medo de palhaços. É sério, começou quando eu tinha uns quatro anos de idade, eu tinha esse sonho recorrente em que um palhaço me jogava num túnel sem fim, e enquanto eu caía, eu via os rostos das pessoas que eu conhecia, por janelinhas pequenas nas paredes.. Todo mundo acenava me dando tchau, como se fossem complacentes com o fato de que eu estava em queda livre, e que eles nada podiam fazer.. parecia que aceitavam isso como um fato imutável, e que não tinham outra opção além de demonstrar que me viam caindo, dando tchauzinhos com sorrisos amarelos nos rostos e uma expressão vazia de quem espera que fique tudo bem.
Eu nunca cheguei no fim do túnel. Sempre acordava antes disso, dando um chute no ar e me percebendo com o coração acelerado e respiração ofegante. Acho que sonhei a mesma coisa dias seguidos, durante anos.. O palhaço era sempre o mesmo e as pessoas nas paredes do túnel sempre estavam lá. A única coisa que mudou durante o tempo, era que a minha raiva do palhaço foi sumindo a cada noite.. eu passei a aceitar que eu estava destinada a cair livremente naquele túnel, e que o palhaço nada fazia além de me entregar ao meu destino. Meu sentimento em relação às pessoas que eu via de lá de dentro mudou também.. o que no começo doía como um desespero para que me salvassem ou me ajudassem de alguma forma a interromper minha queda, foi se transformando numa decepção latente por nunca ver aquelas mãos estendidas.. Sempre distantes, sempre receosas. A decepção se transformou em pena, e logo a comicidade que eu deveria ver no palhaço, eu via em todas aquelas pessoas.. em seus acenos apáticos, medrosos e calculados, que refletiam a insegurança que eles próprios tinham em cair naquele túnel.
Acabei aceitando a queda, mas os palhaços ainda me incomodam.

16 de julho de 2010

Chove.

Eu juro que rio. É com lágrimas nos olhos, mas eu rio. Apesar de saber que tuas músicas não são pra mim, que tuas mãos seguram as minhas ao acaso, que teu olhar é dúbio e incerto, não falha em causar em mim essa ambiguidade que me faz querer ora te engolir e não te tirar de dentro de mim, ora te mandar pra ela, e que seja feliz.
Rio do meu desprendimento forçado e de desafio à tua preocupação com o meu choro não contido. Me dá ímpeto de gritar a plenos pulmões: "Não se preocupe comigo! Não me queira, em momento algum! Não goste de mim, que não goste..!" e fica preso na garganta o nó que só consegue sussurrar: "Ame.." Ame a mim, ame a ela, não importa, só ame. E assim me dê um motivo pra sentir que tua vida é completa, ou completa sem me ter.. me dê um motivo pra ir embora, ou um motivo pra me agarrar a isso com a alma, e com o sangue, e com todo o líquido que escorre de mim agora. Dos pulsos, dos olhos.
Rio pra arrancar de ti um tapa na cara, um beijo de sugar o ar dos meus pulmões.
Rio..
de lágrima.

13 de julho de 2010

Depois do mar.

Não sei o porque dessa angústia que me consome. Só quando a necessidade de me perder em meio à fumaça se faz latente é que eu paro e percebo algo de errado..
Saí da água do mar impregnada por essa areia que não quer se desprender de mim, parece que se aprofundou às minhas entranhas só pela satisfação do atrito que me causa e da dor que eu não consigo me ver livre.. foi depois de te ter no mar, foi depois de me afogar em ti que me vi imersa e perdida nessa maresia.
Corro que nem louca atrás de seus passos na areia e cada vez mais longe, pra saber de onde você veio, pra onde vai.. minhas pegadas se preocupam em formar linhas paralelas com as tuas, que vão se apagando com o tempo. Tento possuir tua história como se fosse a minha, mas estou tonta por não saber mais pra onde ir...
Não sei mais o que faz sentido por aqui, mas a luz do teu farol é a única que me guia...
e pisca.

3 de julho de 2010

Dos corpos-imã ao primeiro engano.

Meu caro,
Estou escrevendo essa carta sem o intuito de mandá-la. No momento, o orgulho que me prende de falar contigo é maior do que a real vontade que me aflige, então decidi que vou colocar minha alma nesse papel branco endereçado a ti, e que se algum dia eu resolver que você deve mesmo saber de tudo, só vou precisar entregar todas essas palavras que agora eu desenho.
Pra começar, eu não sei como te chamar, ou como me dirigir a você.. "meu caro" parece suprir a certa formalidade que ainda existe entre a gente, e também a intimidade que nos é devida, depois dos momentos de completa vulnerabilidade que passamos juntos, levando em consideração os espamos dos nossos corpos-imã e algumas palavras proferidas sinceramente e com completa intensidade. Também não sei onde você se encontra agora.. se bebe sozinho o líquido que te faz esquecer da vida, ou se brinda com terceiros a não existência de uma paixão que te prenda a si mesmo. Apesar dessa minha falta de consciência sobre que papel você representa agora, a minha única vontade era a de saber se a noite você pensa em mim, ou não.. Se como eu, coloca a cabeça no travesseiro e repassa cada minuto de mãos-dadas e olhos nos olhos, respirações ofegantes e vai-e-vens ininterruptos, em que o mundo de fora parecia não existir e o vento criava uma atmosfera só nossa... A impressão de que o Universo conspirava a nosso favor me é nítida desde a primeira vez em que meus lábios puderam tocar os teus, e quando eu senti um arrepio incontrolável na espinha durante aquele momento inesperado, que parecia na verdade ter sido proibido por décadas de acontecer... e que no momento quando finalmente se fez concretizado, explodiu do jeito mais devastador possível. Eu sentia o desespero na tua falta de fôlego e nas minhas mãos que não se contentavam em ficar paradas em ti por mais de alguns segundos.. Pensando bem, acho que foi mesmo ali onde o pecado se iniciou, e onde as raízes que devastariam meu chão começaram a se debater. Durante aquela hora em que te descobri, me perdi em mim, mas ainda não o sabia..

(Me retiro agora pra um cigarro e um ar.. se a Lua puder ser ajuda para alumiar meus pensamentos, tento acabar logo essa carta quando estiver de volta)