Copos D'água

Copos D'água

23 de agosto de 2011

O momento decisivo.

Uma 20×25, em preto e branco, fosco. Ana olhava para aquele pedaço de papel com brilho nos olhos e um leve suspiro. Para qualquer pessoa, aquele retrato não significava absolutamente nada e tudo que poderia representar, se observado com a mínima empatia, era um afeto casual de namorados (como aqueles que se encontra em todas as esquinas e mesas de cafés).

Ela sabia, porém, que Cartier-Bresson previra o momento daquele retrato muito antes de ele acontecer, e que ele não era nada casual. Era o “momento decisivo”, aquele segundo antes do beijo, o silêncio absoluto antes de uma frase e a falta de ar diante do abismo. Sua importância era imensurável, e ela se sentia aliviada por ele também saber disso.

26 de abril de 2011

All in

Ela tinha um leque de cartas na mão e a cara de quem escondia um bom jogo. Precisava de no mínimo uma trinca de seis e se manteria na aposta, depois daquele "fecha os olhos e all in". Uma garrafa de whisky pela metade e a aliança de ouro na mesa, entre ases e reis, amenizavam a podridão daquele hotel meia-boca beira-de-estrada. Era tanta fumaça numa semi-escuridão e tantas cinzas cobrindo o piso, que vira e mexe se escutava um "Diabos!!", vindo dos cantos do pequeno hall, seguido de um estardalhaço de cadeiras e copos indo pro chão.
Era a única mulher no meio de machos beberrões, mas se sentia a vontade sentada ao lado daqueles zé-ninguém, naquele fim de mundo. A sensação de um universo inteiro desconhecido lhe era no mínimo confortante, por saber que ali ela não era mais do que uma passante, desconhecida, e que não devia nada a qualquer um.
Ana havia sumido de casa há alguns dias, desde a última briga com o seu marido, e ainda levava as marcas na mão e o curativo do soco que a fez quebrar o espelho do banheiro. Aquela noite de domingo tinha sido uma das mais angustiantes desde o começo de sua vida de casada e a tinha feito decidir que aquele não era o futuro que queria pra si. Vira e mexe, sentia falta do seu desprendimento e inconsequência, das bebidas e do sexo casual, além de achar que seu amor nunca seria suficiente. Pegou a mochila e decidiu fugir, pra sabe-se lá aonde...
Não havia ainda parado pra raciocinar sobre o que havia feito desde então, mas ao olhar seu dedo vazio na mão esquerda e a aliança jogada na mesa, valendo tanto quanto alguns maços de cigarros, deu-se conta do que estava acontecendo.
Eram duas da manhã e o vento que vinha de fora sussurrava uma madrugada mais que gélida. Ana contava com a sorte... Mas ainda não sabia se queria perder ou ganhar.