Já não enxergava as imagens da televisão há uns bons minutos.. para Ana, as legendas pareciam enormes borrões amarelos atravessando sua visão, e não formavam sentido algum. Sua cabeça estava distante dali, e focava no término de uma história onde ela era a protagonista. Virou para o lado, desprezando o enredo da tela à sua frente:
_Então.. como pretende fazer dessa vez? Pegar o carro e ir embora no domingo, mesmo...? (Eu queria arrancar isso de dentro de mim, orar tanto para que não fosse, e que nunca mais cruzasse aquela porta e me largasse aqui..)
_É, meus planos são de ir no domingo, logo depois do almoço.. (Mas meu peito teria outros planos pra mim, e pra ti, menina, se ele pudesse escolher. Me angustia tanto pensar em encher as malas, e deixar o vazio nos armários, dentro de ti..) O ruim mesmo é a preguiça de arrumar tudo logo depois de comer.
_Domingo à tarde, depois do almoço, dá mesmo aquela vontadezinha de deitar no sofá e não fazer mais nada, né.. (E como eu queria me deitar ao teu lado, segurar tua mão quente, e permanecer assim até a Lua aparecer no alto, brilhando pra nós, e tornando o tempo contigo, infinito..)
_Dá sim.. mas não encontro qualquer outro jeito.. Eu queria poder ficar mais um dia ou outro, ao invés de voltar e trabalhar na segunda, aproveitar também a calmaria do céu por aqui.. (E passar mais uma noite do teu lado, e acordar com a sensação do teu respirar no meu pescoço, sentir minha alma se arrepiar e formar com a tua uma coisa só, e te olhar dormindo.. e olhar, e olhar..)
_Que pena você ter que ir, sendo que quer ficar.. (Mundo tão penoso esse.. e essa despedida que sempre vem contra a minha vontade, e a minha falta de jeito pra te pedir pra não se esvair do meu lado, quando nem focar nas tuas pupilas eu consigo.. desvio o olhar pra aquela moeda no chão ao lado da porta, tomada de angústia, de dor. Enquanto você deve estar achando que eu não estou nem aí pra o que fala.. se ao menos você soubesse...)
_É.. uma pena, mesmo. (E só Deus sabe o quanto eu queria ficar aqui e te segurar forte perto de mim de novo e sentir teu beijo, e tua respiração ofegante, e o cheiro doce do teu cabelo.. mas não consigo nem pegar na tua mão e gritar o quanto te gosto! Não pense que eu não queria ficar aqui contigo.. não pense, por favor.)
(E a cor se esvai do meu mundo, e teus dedos se desfalecem nos meus, e eu sinto a angústia que os ponteiros me trazem e o silêncio mais aniquilante, depois do estampido tão dolorido da porta..)